segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Há um equívoco nesta manhã
Apenas por sê-la
Erguida em hastes de sol
Acima dos corpos
E vem em vão
(desmantelada)
E vai e finda
Dentro do oco
Dentro do vão
Dentro do nada.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Mãe negra

Cai sobre mim a noite
Negra e só, minha ama
De luas solitárias
E obscuros véus
Me envolve em abraços
Como quem carece
Não me dou
Minha mãe de cria,
Esta noite eu sou,
Ante teus céus,
Apenas desejos de lua
Soltos nas horas que me passam
Anoitecidas
Neste quarto
Tudo o que sou:
Nada além
De um olhar perdido
Na janela.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ordem

Vencer a inação. Frutificar.

Morrer dentro de si. Atropelar o caos.

Regenerar. Em flor, em verso, em vida.

Encabrestar a dor. Vaticinar a sorte.

Em lida, em trilha, em cor.

Silenciar a morte.

Serenizar.

Oásis

“E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.“ (Vinícius de Moraes, Ausência)

E assim, no silêncio habitual de longas datas, corações suspiraram aliviados. Era o primeiro poente que dividiam após séculos de afastamento - um imenso deserto houvera brotado entre as duas vidas. E ali, exatamente num encontro acidental de olhares dispersos, fez-se lar... e mar e céu e tudo mais que rutila aos olhos sedentos de quem vive. Terna comunhão de almas poentes e sóbrias ante dor e riso, solidão e pertencimento, luz e escuridão. E mesmo o deserto, em sua frieza noturna e alheia, fez-se abrigo. Amar é estar em casa.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Acalento

(para Roque, meu irmão desde sempre)

Sim, sim, meu menino
Segue o vento
E corre o tempo em cabriolas
Passa a infância
Pés descalços na varanda
Um quintal que já não há
Uma banda amputada de passado
Ai, minhas fulores
De mandacaru
Branquinhas, bem branquinhas
Ao breu da noite
(e à voz adocicada de meu pai)
E logo à luz
Ao claro céu do alvorecer
Enegrecidas
Murchinhas, encolhidas
Pelo chão
Nada dura
Além de nós.

*Inspirado no soneto "A casa", de Roque Pinho

domingo, 19 de julho de 2009

Cinza

Passou, passou da hora
Já não há mais
Querer
Perdeu-se no ar
Sequer restou
Penar
Ou sonho
Ou memória
Outro amor perece
Sob a sombra renitente
Do porvir
E a vida segue
Solitária
Imponderável
Sequer pergunta se há desejo
Indiferente
Nesta tarde nebulosa
Sob os céus
Nem luz, nem escuridão
A vida é cinza.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Idiomas

Da tua língua de poeta
Edifico meu calvário
Sem respostas
Sem palavras
Sem avenças, pois
Túmulo inerte
Minha boca sepultada
Fere o verbo
Rompe o trato
Que idioma me sussurras?
Teu silêncio pós-canção reverbera
Mais que o tom
Mais que o dom
Mais que o nexo

Que tudo traz
Meu silêncio de esfinge desbotada
Ofereço quase sem querer
No meu dizer pelas avessas
Mãos atadas pela língua
Minha dor supõe a tua
E nada sabe.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Existencial

(a um nobre passarinho à minha janela)

O céu em brasa aquece um novo alvorecer
Minha alma se aguça, já é dia
A noite foge, empalidece, o sol ressurge
O primeiro passarinho cantarola
E tripudia sobre os galhos da inocência,
Cantando forte, canta a vida, o seu destino
Vive a essência que no corpo resplandece
Eu, cá no peito, silencio o desatino
Nasce outro dia, minha alma anoitece

O céu em brasa aviva as dores do meu tempo
Meu corpo se recolhe, já é noite
De outro pesar, outra lembrança, a mesma sina
Um som escapa desta alma tão vazia:
Choro os pedaços dos meus sonhos de menina
Rouco, o meu peito solitário já não canta
Choro em silêncio, choro a vida, essa ilusão
O pensamento a dor do mundo desencanta
Um passarinho engaiolado chora em vão

O céu em brasa testemunha a minha dor
O sol levanta, é mais um dia de existência.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Agonia

É um pedaço de alma a palpitar na garganta
migalhando virar grito,
sapateiam no estômago,
vão subindo efervescentes
palavras incógnitas
assim, arranhando o céu da boca,
cócegas aflitas
num frêmito sem fim,
sem merecer ganhar o ar
assim, como poesia no escuro do quarto
martelando o pensamento,
sem merecer nem o papel
assim, passarinho na gaiola,
goela rouca de cantar
sem merecer nem céu de chuva,
a imensidão fora das grades,
cavalos soltos no porão
sem saber o que é arreio
amiúde nesse meu peito
de eterna iminência
de não-sei-o-quê.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

(Mo)cidade e fim

(dedicado ao fulgor de Castro Alves, meu eterno condor)

A cidade adormece ao meu contento,
Eu velo o seu sono da minha janela.
Da mansa donzela não dura o repouso
E logo amanhece em luz e ruídos,
Devora a inocência, meus olhos e ouvidos, estremeço.
Deflora o silêncio da casa, do corpo, ingrata, devassa, desnuda.
O centro da cidade pulsa, me entorpeço.
Em teus becos há tanto aroma,
Há o cheiro das gentes, das dores, dos tempos pairando nos ares.
A vida trasteja nos passos errantes de andares
Dos loucos, dos cães, das putas, das mães que vivem aqui.

Eu vivo e me entrego aos seus meneios.
Há um mundo à minha janela que me traga e transporta para mundos alheios.
Escala-me os seios, desvenda-me os mares, e faz-me acordar.
Amanheço e resido em todos os lares que cabem na fenda da minha parede.
Num lapso, a sede e o desejo me tocam em vida, fulgor, mocidade.
Eu sou o condor pelos ares despido a beber os perfumes da flor da idade.
Cidade-moça, transa de ruas e lares,
Renasço em você e gozo a verdade contida em seu chão,
Fazendo ecoar pelos céus o meu grito.
Meu corpo repousa no manto dos mares,
Desfeito em espumas no seu infinito.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Eu derramado

Eu sinto na alma estas tardes alongadas de verão
Em cálidos sopros, bafejam calores de um sol soberano
Que se derrama sobre todas as casas, sobre todas as coisas
Estação, ciclo, tempo, meu sim, meu não
Derramo ao vento palavras que não sei ouvir
Em meus ouvidos, o sussurro do nada fala mais alto
Sobressalta-se uma parte adormecida
Em minha pele, o beijo eterno das horas vazias
É o tempo que não me deixa,
A alma que não sinto,
O eu que não sou.

(em 31/12/08)